Teleperícia do CNJ: o que é e como funciona (res. 317)

Como fica a perícia médica judicial durante a pandemia do coronavírus? Neste artigo, explico sobre a teleperícia do CNJ e dou 4 dicas práticas.

por Catiana Matias

4 de junho de 2020

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1) Introdução

Em razão da pandemia de coronavírus , as perícias médicas do INSS passaram a ser realizadas de maneira remota. Igualmente, o Judiciário se adequou à nova realidade, prevendo a realização das chamadas teleperícias.

Tenho notado uma resistência por parte de vários advogados em aceitar a teleperícia. Acredito que todos temos ciência de que este não é o meio ideal de realizar perícias médicas, mas foi a medida encontrada pelo CNJ, em caráter de urgência, para atender a demanda durante esta situação excepcional que estamos vivendo.

Tendo isso em mente, decidi escrever esse artigo, com várias dicas práticas e extremamente úteis para ajudar a transformar a teleperícia em uma aliada para você e seu cliente!

Mas antes de irmos ao conteúdo, estou disponibilizando esse Modelo de Quesitos para a Perícia Médica. É algo que eu mesma uso com os meus clientes. Caso tenha interesse, basta informar o seu melhor email no formulário abaixo para receber sua cópia gratuitamente.

       

2) O que é a teleperícia?

A teleperícia é uma perícia virtual realizada em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais. É executada por meio eletrônico, sem contato físico entre o perito e o periciando, e deverá continuar em vigor enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do coronavírus.

Está prevista na Resolução n. 317/2020 do CNJ , publicada em 6 de maio de 2020.

Devido ao grande número de ações previdenciárias que estavam pendentes de realização de perícia médica e, consequentemente, paralisadas em razão das determinações de isolamento social, a teleperícia foi a alternativa encontrada pelo CNJ para propiciar o andamento dos referidos processos.

3) Perícia remota x teleperícia: diferenças

Muitos colegas têm tratado os termos como se fossem sinônimos, mas é preciso salientar que, apesar de ambas terem sido criadas em decorrência da pandemia de coronavírus , não se tratam do mesmo procedimento.

Para facilitar a compreensão, comentarei as principais diferenças existentes entre a perícia remota e a teleperícia!

3.1) Perícia remota ou perícia de conformidade do INSS

No dia 19 de março de 2020, o INSS anunciou que não haveria mais perícia administrativa presencial, passando a ser realizada de modo indireto (exigindo-se apenas que o segurado apresente a documentação médica).

Desse modo, perícia remota é aquela que está sendo realizada na via administrativa pelo INSS. Trata-se de uma perícia indireta , ou seja, o perito apenas analisa a documentação médica juntada pelo requerente, não havendo qualquer tipo de contato (físico ou virtual) entre ambos.

O advogado deve apenas requerer a antecipação do benefício e anexar atestado médico em conformidade com o que foi pedido (daí o nome “perícia de conformidade”).

Mas atenção! Nos termos da Portaria Conjunta n. 9.381/2020 e do Ofício Circular SEI n. 1217/2020/ME, o atestado deve preencher cumulativamente os seguintes requisitos:

  • Conter informações referentes à doença ou CID : se o CID estiver errado, indicado de forma genérica ou não indicado, o requerimento será indeferido. Também evite anexar atestados contendo apenas o nome da doença;

  • Estar digitado ou escrito com letra legível, sem rasuras ou erros grosseiros : não apresente atestados que o perito não vai conseguir analisar;

  • Conter o período de repouso indicado : deve prever o tempo necessário de afastamento (atestados por tempo indeterminado têm sido a maior causa de indeferimento de requerimento), sendo que o ideal é que o período seja por mais de 3 meses;

  • Conter a identificação do médico: assinatura, número do profissional emitente no respectivo Conselho de Classe (CRM ou CRO) e carimbo de identificação.

3.2) Teleperícia do CNJ no judiciário

Conforme mencionei, a teleperícia consiste em um perícia virtual realizada em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, executada sem contato físico entre o perito e o periciando.

Deverá ser requerida ou consentida pelo periciando, ou seja, não poderá ser realizada sem o seu consentimento. Assim, caso concorde com a realização, caberá ao periciando:

  • informar o endereço eletrônico e/ou número de celular a serem utilizados na realização da perícia (que será executada por meio de chamada de vídeo no WhatsApp);

  • juntar aos autos os documentos necessários , a exemplo de laudos, relatórios e exames médicos, fundamentais para subsidiar o laudo pericial médico ou social.

Pelo menos a princípio, não está sendo permitida a participação do advogado durante a teleperícia, sendo possível apenas a participação do perito, periciando e assistente técnico (caso houver, o assistente deve ser indicado com antecedência de 5 dias da data da perícia agendada, nos termos do parágrafo 4º da Resolução).

Sei que muitos colegas têm questionado este posicionamento, defendendo que nem todos os clientes possuem condições de contratar um assistente técnico, motivo pelo qual a presença do advogado seria essencial durante a realização da teleperícia. No entanto, até o presente momento, tem incidido esta vedação.

Também recomendo atenção ao fato de que a teleperícia não está sendo adotada por todos os Tribunais Regionais Federais do país.

Apenas a título de exemplo, cito o caso do TRF-4 , que editou a Nota Técnica n. 4/2020 prevendo a realização de prova técnica simplificada , consistente em uma perícia indireta realizada através de análise de documentação (muito semelhante à perícia remota do INSS, mas sem exigir os requisitos de laudos mencionados anteriormente).

Cheguei a tomar conhecimento, inclusive, de médicos que estão realizando perícias de forma presencial , em seus próprios consultórios.

Portanto, não tratem a Resolução do CNJ como uma norma geral, visto que o procedimento difere em cada Tribunal ou até mesmo Comarca do país.

Saliento que, na atual conjuntura, o mais importante será a qualidade da documentação anexada ao processo. Portanto, aconselho que o advogado realize uma triagem na documentação dos clientes que serão submetidos à teleperícia e, se necessário, peça para que o médico assistente atualize o atestado.

Em razão da paralisação dos processos, muitas ações apresentam atestados anteriores à data de protocolo, o que pode dificultar a análise da teleperícia e, consequentemente, resultar em indeferimento do pedido.

Também é preciso lembrar que o parágrafo 2º da mencionada Resolução prevê que o perito poderá, expressamente, manifestar entendimento de que os dados constantes do prontuário médico e a entrevista por meio eletrônico com o periciando são insuficientes para formação de sua opinião técnica, situação em que o processo deverá aguardar até que seja viável a realização da perícia presencial.

Desse modo, se o perito constatar que não foi possível a realização do exame de forma eficaz, ele pode emitir um parecer de que a perícia não foi conclusiva e, com isso, requerer que seja realizada uma perícia presencial posteriormente (quando a situação se normalizar).

4) Obstáculo para a teleperícia: recomendação do CFM

Anteriormente à Resolução n. 317/2020 do CNJ, o Conselho Federal de Medicina havia publicado o Parecer n. 3/2020 , prevendo que o médico perito judicial que se utilizasse de recursos tecnológicos sem realizar o exame direto no periciando, estaria afrontando o Código de Ética e demais normativas emanadas pelo CFM.

Assim, muitos peritos apresentaram receio em proceder à realização de teleperícias, visto que tal atitude poderia resultar no cometimento de infrações médicas.

Contudo, em 6 de maio de 2020, o Ministério Público Federal, através da Recomendação n. 4/2020/PFDC/MPF , passou a recomendar que o CFM não adote medidas contrárias aos peritos que realizaram a teleperícia ou a perícia remota. Vejamos:

“RECOMENDA ao Conselho Federal de Medicina que, em processos administrativos e judiciais relativos a benefícios assistenciais e previdenciários:

a) não adote quaisquer medidas contrárias à realização de perícias eletrônicas e virtuais por médicos durante o período de pandemia da COVID-19 (coronavírus);

b) se abstenha de instaurar procedimentos disciplinares contra médicos por elaboração de Parecer Técnico Simplificado em Prova Técnica Simplificada (arts. 464 e 472 do CPC; art. 35 da Lei 9.099; art. 12 da Lei 10.259) e perícia fracionada (onde é realizado um exame de documental – parecer simplificado –, posteriormente complementado com exame físico).

A referida recomendação foi encaminhada ao CNJ e ao CJF, devendo ser cumprida a partir de seu recebimento pelo CFM, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos.

Portanto, atualmente os peritos possuem respaldo para realizarem a teleperícia , de modo que não deverão ser punidos pelo Conselho Federal de Medicina.

5) 4 Dicas para uma teleperícia bem sucedida

Pensando em ajudar os colegas, listei algumas dicas para alcançarem resultados positivos na teleperícia!

5.1) Faça uma triagem individual em cada processo

Após receber a intimação para manifestar a respeito da possibilidade de realização de teleperícia, analise o caso e verifique se aquele processo comporta teleperícia. Observe atentamente a documentação, principalmente os exames médicos e CIDs que compõem o rol de doenças que incapacitam seu cliente.

Se verificar que a patologia do segurado consegue ser provada por meio de documentos e exames médicos, aceite a teleperícia.

Exemplos de doenças que normalmente conseguem ser comprovadas através de documentação : diabetes, patologias psiquiátricas, retinopatia diabética e deformidades físicas visíveis (como amputações, encurtamentos etc.).

Perceba que são patologias visíveis ou de fácil constatação, podendo ser identificadas pelo perito através das chamadas de vídeo pelo WhatsApp.

Já se a patologia apresentada for de difícil constatação apenas pela análise de documentação, sendo necessária a realização de exames físicos, recuse a teleperícia e aguarde a perícia presencial.

Exemplos de doenças que normalmente exigem a comprovação por perícia presencial: artroses, protusões discais, doenças reumáticas, sinovites e tenossinovites.

5.2) Atualize os laudos médicos

Conforme mencionei, em razão da paralisação dos processos, muitas ações apresentam atestados desatualizados , o que pode dificultar a análise da teleperícia e, consequentemente, resultar em indeferimento do pedido.

Portanto, após aceitar ou requerer a teleperícia, aconselho que o advogado realize uma triagem na documentação dos clientes que serão submetidos ao procedimento e peça para que o médico assistente atualize o atestado.

Esta dica é de extrema importância, visto o peso que a prova documental possui em ações em que será realizada a teleperícia.

5.3) Apresente laudos médicos completos

Primeiramente, você precisa ter em mente que todos os laudos são válidos , seja assinado por médico particular ou médico do SUS.

Este é um mito em relação à perícia médica. Muitos acham que se o laudo não for do SUS (sistema público de saúde), a pessoa não tem chance de obter o benefício. Isso é mito!

O laudo ideal para fins periciais é aquele que cumpre os requisitos previstos no art. 3º, parágrafo único, da Resolução n. 1.658/2002 , do Conselho Federal de Medicina:

Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos: […]

Parágrafo único. Quando o atestado for solicitado pelo paciente ou seu representante legal para fins de perícia médica deverá observar:

I – o diagnóstico;
II – os resultados dos exames complementares;
III – a conduta terapêutica;
IV – o prognóstico;
V – as conseqüências à saúde do paciente;
VI – o provável tempo de repouso estimado necessário para a sua recuperação, que complementará o parecer fundamentado do médico perito, a quem cabe legalmente a decisão do benefício previdenciário, tais como: aposentadoria, invalidez definitiva, readaptação;
VII – registrar os dados de maneira legível;
VIII – identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina. (Redação dada pela Resolução CFM nº 1851, de 18.08.2008).

Nós advogados vemos vários laudos vagos dos nossos clientes, sem muitas manifestações. Ou seja, só consta o nome, CID e tempo de afastamento, o que não não fornece ao perito subsídios necessários para avaliar o grau de incapacidade do requerente.

Desse modo, um bom laudo para se apresentar não só no período de pandemia, deverá obrigatoriamente conter:

  • Diagnóstico da doença, com o respectivo CID;
  • Resultado dos exames complementares em que foi identificada a doença;
  • Conduta terapêutica – qual tratamento o requerente está fazendo e se está apresentando resultados, se vai precisar de cirurgia etc.;
  • Prognóstico – se a doença tem cura ou não;
  • Consequências à saúde do paciente – se vão permanecer sequelas etc.;
  • Provável tempo de repouso necessário para a recuperação;
  • Registrar os dados com letra legível: o médico deve escrever com uma letra que dê para o perito entender (muitos médicos enviam laudos ilegíveis, tornando impossível a tarefa do perito);
  • Carimbo e assinatura do médico.

O ideal é que no laudo conste as manifestações clínicas, qual o tipo de tratamento, qual o exame em que foi evidenciado tal diagnóstico etc. Só assim ficará mais fácil que o perito médico consiga analisar se existe alguma incapacidade naquele seu cliente.

Ao contrário do que muitos pensam, a simples citação do CID não é suficiente para comprovar a doença e obter o benefício.

O que determina a concessão do benefício não é a doença, é a incapacidade, que deve ser demonstrada nas manifestações clínicas do médico. Por isso a necessidade de constar tudo expressamente no laudo ou atestado.

Tem um outro artigo em que comentamos mais sobre os requisitos dos atestados médicos. Ah, e também já disponibilizamos um modelo de carta para você enviar ao médico do cliente quando o atestado fornecido está ruim.

5.4) Anexe documentos complementares

É importante dizer que você não deve juntar somente o laudo.

Aqui vão algumas sugestões de documentos complementares que você também pode juntar:

  • Receituários: indicações dos medicamentos que o requerente está utilizando;

  • Declarações de tratamento: explicar os tratamentos que a pessoa fez ou ainda está fazendo. Se for o caso de uma perícia psiquiátrica, mencione os tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos.

  • Prontuários médicos: se frequenta alguma clínica ou foi internado em hospital (neste documento poderá conter inclusive as manifestações clínicas).
    Obs.: É válida a anexação de cópias dos prontuários (não precisa ser o original).

  • Boletins de Ocorrência (B.O.): no caso de benefícios acidentários ou acidentes de qualquer natureza, é interessante juntar o B.O. Isso é mais uma comprovação de que realmente houve o acidente.

6) [VÍDEO] Dicas para uma teleperícia bem sucedida

Agora que os colegas já estão por dentro de todos os macetes relacionados à teleperícia , faço o convite para que também assistam ao vídeo em que eu e a Dra. Alessandra Strazzi comentamos sobre o tema. Está imperdível!

7) Conclusão

Como mencionei no início, tenho notado uma resistência por parte de vários advogados em aceitar a teleperícia.

Acredito que o melhor caminho não seja simplesmente ignorar o procedimento e aguardar a realização de perícia presencial (até porque, a maioria dos clientes apresenta extrema necessidade de se obter o benefício o quanto antes).

Portanto, analise o caso e verifique se aquele processo comporta teleperícia. Observe atentamente a documentação, principalmente os exames médicos e CIDs que compõem o rol de doenças que incapacitam seu cliente.

Se verificar que a patologia do segurado consegue ser provada por meio de documentos e exames médicos, aceite a teleperícia. Caso contrário, aí sim opte por aguardar o exame físico presencial.

Com este artigo, busquei responder à maioria dos questionamentos dos colegas sobre teleperícia. No entanto, caso tenha qualquer dúvida, deixe aqui nos comentários! 😉

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8) Fontes

Perícia Médica na Quarentena: 5 Dicas da Perita

Atestado Médico x Garrancho. Requisitos mínimos do atestado médico

Modelo de carta ao médico do cliente (para conseguir melhor atestado)

Resolução n. 317/2020 do CNJ

Nota Técnica TRF-4 n. 4/2020

Parecer CFM n. 3/2020

Resolução n. 1.658/2002, do Conselho Federal de Medicina

Recomendação n. 4/2020 do Ministério Público Federal

Portaria Conjunta n. 9.381/2020

Catiana Matias

Catiana Matias

Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho, Saúde Pública e Fisioterapeuta .

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