Via de regra, é preciso que o segurado requeira seu benefício diretamente ao INSS, antes de partir para a via judicial. Isso é conhecido no meio previdenciário como “prévio requerimento administrativo”.
Neste artigo, explico quando é e quando não é necessário o prévio requerimento administrativo, de acordo com a interpretação do STF no RE 631.240 (tema 350 com repercussão geral).
Sumário
- 1) Breve histórico
- 2) Premissas para Concessão dos Benefícios Previdenciários
- 3) Prévio Requerimento Administrativo como Condição da Ação
- 4) Negativa Expressa ou Tácita
- 5) Exaurimento da Via Administrativa
- 6) Quando o Prévio Requerimento Administrativo (não) é necessário?
- 7) Consequência da falta de Prévio Requerimento Administrativo
- 8) Exemplos Práticos
- 9) Mapa Mental Resumo
- 10) Ementa RE 631.240 MG
1) Breve histórico
Sempre foi muito comum que advogados (e até mesmo os próprios segurados) pleiteassem benefícios previdenciários diretamente ao Poder Judiciário, antes mesmo de fazer o requerimento ao INSS.
Isso porque acreditavam ser inútil o requerimento administrativo, já que sabiam que o INSS negaria o benefício de qualquer forma.
Isso gerou muita discussão jurídica e nenhuma concordância jurisprudencial. Discutia-se a constitucionalidade da exigência de prévio requerimento administrativo como condição para propositura de ações judiciais previdenciárias.
Por isso, foi necessário que o STF se manifestasse a respeito da matéria, o que ele fez no julgamento do RE 631.240 / MG com repercussão geral (Tema 350 do STF).
2) Premissas para Concessão dos Benefícios Previdenciários
Existem duas premissas básicas que devem ser preenchidas para que seja concedido um benefício previdenciário:
- Manifestação de vontade do segurado;
- Preenchimento dos requisitos legais do benefício pretendido.
Assim, mesmo que uma pessoa faça jus a aposentadoria por idade, por exemplo, o INSS não pode conceder esta aposentadoria antes que o segurado manifeste interesse em recebê-la.
Ou seja, é preciso que o segurado requeira o benefício ao INSS para que este possa implantá-lo.
3) Prévio Requerimento Administrativo como Condição da Ação
Dessa forma, o prévio requerimento administrativo é necessário para comprovar o interesse de agir da parte autora, que é uma das condições da ação.
O interesse em agir possui três aspectos: utilidade, adequação e necessidade. A exigência de prévio requerimento administrativo liga-se ao interesse processual sob o aspecto da necessidade.
A necessidade consiste na demonstração de que a atuação do Estado-Juiz é imprescindível para a satisfação da pretensão do autor.
Via de regra, não é necessário demonstração de prévia tentativa frustrada de entendimento entre as partes. No entanto, conforme explicado no item anterior, no direito previdenciário é necessário que o segurado provoque o INSS (faça o requerimento).
Por isso, se não houve prévio requerimento administrativo, não houve pretensão resistida por parte do INSS, não havendo necessidade da prestação jurisdicional.
4) Negativa Expressa ou Tácita
Caso o INSS negue o benefício, estará caracterizada a resistência à pretensão, fazendo surgir a necessidade de prestação jurisdicional. Esta negativa pode ser expressa ou tácita.
Será expressa se o INSS realmente negar total ou parcialmente o benefício, comunicando a rejeição ao segurado.
Será tácita quando o INSS demorar demais para responder ao pedido (quando exceder o prazo legal de resposta).
De acordo com o Relator do RE 631.240, Ministro Roberto Barroso, o prazo legal é de 45 dias, nos termos do art. 41-A§ 5º, da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios).
Lei 8.213/91, art. 41-A, § 5º O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão.
No entanto, data venia, eu discordo deste posicionamento. Entendo que o prazo legal é de 30 dias, nos termos dos arts. 48 e 49 da Lei 9.784/99 (que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal).
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
Acredito que o prazo de 45 dias da Lei de Benefícios trata do prazo para IMPLEMENTAÇÃO do benefício após o julgamento do requerimento.
O que o leitor pensa? Conte para mim nos comentários.
5) Exaurimento da Via Administrativa
Deve ficar muito claro que não é necessário esgotar a via administrativa, ou seja, não é preciso propor todos os recursos cabíveis no processo administrativo para caracterizar a resistência à pretensão.
O requisito do prévio requerimento é definido com a simples postulação administrativa do benefício, perante a primeira instância (agência do INSS).
6) Quando o Prévio Requerimento Administrativo (não) é necessário?
As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos:
- demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e
- ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
Para o grupo 1, sempre será necessário o prévio requerimento administrativo. Já, para o grupo 2, pode ser ou não.
Os meus leitores já sabem que o INSS está obrigado a conceder sempre o benefício mais vantajoso ao qual o segurado fizer jus (se você não sabe, leia o artigo “Direito ao Melhor Benefício: se você não conhece, não advogue em Direito Previdenciário”).
Assim, uma vez requerido o benefício, se for concedida uma prestação inferior à devida, está caracterizada a lesão a direito, sem que seja necessário um prévio requerimento administrativo de revisão.
Por isso, para revisões, restabelecimentos, etc, via de regra não é necessário o prévio requerimento administrativo, sendo este apenas uma opção ao segurado.
Nos casos acima, somente será necessário novo requerimento administrativo se a pretensão depender da análise de matéria ainda não levada ao conhecimento do INSS.
Por fim, se o entendimento do INSS for notoriamente contrário à pretensão do segurado, não será necessário prévio requerimento administrativo.
Se você está na dúvida, recomendo fazer o requerimento administrativo. Se o INSS demorar mais de 30 dias para responder, estará caracterizada a negativa tácita e você pode provocar o Poder Judiciário.
7) Consequência da falta de Prévio Requerimento Administrativo
Nos casos em que for necessário o prévio requerimento administrativo, sua falta implicará a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir.
8) Exemplos Práticos
1) Segurado requer aposentadoria por invalidez e está totalmente dependente de terceiros para os atos básicos da vida humana, como comer e vestir-se, já na data do requerimento.
O INSS concede a aposentadoria por invalidez, sem a majoração de 25% do art. 45 da Lei 8.213.
Nesse caso, não será preciso novo requerimento administrativo, pois o segurado já sofria de “grande invalidez” desde o requerimento e era obrigação do INSS conceder a majoração.
2) Segurado requer aposentadoria por invalidez e não é portador de “grande invalidez” na data do requerimento, diferente do caso anterior..
O INSS concede a aposentadoria por invalidez, sem a majoração de 25% do art. 45 da Lei 8.213.
Nesse caso, se o segurado vier a sofrer de “grande invalidez” anos depois, será preciso novo requerimento administrativo para a majoração, pois houve agravamento da doença, ou seja, existe nova matéria fática a ser analisada.
3) Segurado está recebendo auxílio-doença, que vem a ser cessado. No entanto, apesar de não estar mais totalmente incapaz, ficou com uma sequela que o tornou parcialmente incapaz para sua atividade habitual.
O INSS deveria ter concedido o auxílio-acidente ao invés de somente cessar o auxílio-doença, pois o segurado já estava com sequela na data de cessação. Dessa forma, não será necessário novo requerimento administrativo.
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9) Mapa Mental Resumo
10) Ementa RE 631.240 MG
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
- A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
- A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
- A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
- Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.
- Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
- Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.
- Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
- Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
- Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.
(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)
FONTES:
RE 631.240 MG (Tema 350 do STF);