Contribuição em Atraso x Direito Adquirido Antes da Reforma

Será que contribuição em atraso conta para direito adquirido antes da reforma? Saiba o que fazer quando o INSS prejudicar o direito adquirido.

por Alessandra Strazzi

7 de janeiro de 2022

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1) Introdução

Pois é, temos mais uma polêmica previdenciária no ar! 💣💥

De acordo com o entendimento que está sendo adotado pelo INSS, o segurado que, a partir de 01/07/2020, realizar o pagamento de contribuições em atraso referentes a competências anteriores a novembro de 2019 , não poderá se aposentar pelas regras anteriores à Reforma da Previdência.

“Nossa Alê, e isso não fere o direito adquirido?” 🤔

Sim, o posicionamento do INSS é ilegal , além de ferir totalmente o direito adquirido e o direito ao melhor benefício. Inclusive, é por isso que a matéria tem sido um forte alvo de judicialização.

Como sei que o assunto é extremamente relevante para nós, advogados previdenciaristas, decidi escrever um artigo completo sobre o tema!

👉🏻 Dá uma olhada em tudo o que você vai aprender:

  • Qual é o posicionamento do INSS sobre as contribuições em atraso e o direito adquirido ;
  • O que diz o Comunicado DIVBEN n. 002/2021 e a Portaria n. 1.382/2021 ;
  • Porquê o entendimento do INSS é ilegal e inconstitucional ;
  • Como é possível resolver a questão judicialmente.

Ah, mas antes de continuar, quero deixar aqui a indicação de um guia muito legal que foi formulado pelos meus colegas do Cálculo Jurídico: trata-se do “5 passos para estudar e atuar no Direito Previdenciário“.

Sei que começar a atuar nessa área pode deixar qualquer um perdidinho. É realmente um desafio a princípio! Mas esse guia vai te ajudar a entender como dividir o estudo e criar uma rotina constante e viável.

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2) Contribuição em Atraso conta para Direito Adquirido Antes da Reforma?

Como sabemos, um segurado do INSS pode completar o direito à aposentadoria em um momento e requerer a aposentadoria somente no futuro.

Nesse caso, ele terá garantido o direito à análise do seu benefício (tanto requisitos de concessão, quanto forma de cálculo) de acordo com as regras do momento em que completou os requisitos no passado (em razão do direito adquirido), se tais regras forem mais benéficas (em virtude do direito ao melhor benefício).

Até aí, tudo bem.

🤓 Mas, como nada nesse universo previdenciário é simples, imagine a seguinte situação:

Sr. José trabalhava como vendedor autônomo. Porém, ele passou por um período de dificuldades financeiras e acabou deixando de recolher as contribuições como contribuinte individual do INSS entre os anos de 2017 e 2018.

Ele até trabalhou durante este período, mas não conseguiu contribuir para a Previdência.

Anos depois, Sr. José se recupera financeiramente e, em dezembro de 2021, decide fazer um planejamento previdenciário, ocasião em que descobre que, caso tivesse contribuído em 2017 e 2018, poderia ter se aposentado antes da Reforma da Previdência, de acordo com as regras anteriores e mais benéficas.

💰 Desse modo, ele decide pagar essas contribuições em atraso ao INSS e realiza os recolhimentos de maneira regular, inclusive com prova das atividades exercidas.

Contudo, será que essas contribuições atrasadas poderão ser aproveitadas para essa aposentadoria que o Sr. José almeja?

Pois é, como adiantei lá no início, o INSS entende que as contribuições realizadas em atraso a partir de 01/07/2020 serão consideradas no tempo total do segurado , mas não para o tempo que ele possuía em 13/11/2019. 😥

Portanto, mesmo recolhendo as contribuições em atraso, o Sr. José não poderá se aposentar administrativamente pelas regras anteriores à Reforma.

Porém, a boa notícia é que a questão é discutível judicialmente , com um respaldo legal muito válido. E é sobre isso que explicarei nos próximos tópicos!

3) Como o INSS entende a questão – fundamentos normativos

3.1) Comunicado DIVBEN 002/2021

Em 23/04/2021, a Divisão de Benefícios do INSS ( DIVBEN ) emitiu internamente o Comunicado n. 002/2021.

📜 Esse Comunicado tinha com o objetivo explicar aos próprios servidores do INSS como o sistema de benefícios (Prisma) passou a computar as contribuições recolhidas em atraso após 01/07/2021 (data da publicação do Decreto n. 10.410/2020).

Em resumo, o Comunicado n. 2/2021 trata das seguintes questões:

  • Em quais hipóteses as contribuições em atraso realizadas a partir de 01/07/2020 são computadas para efeito de carência;
  • Cômputo das contribuições em atraso realizadas a partir de 01/07/2020 e após o fato gerador (nos casos de benefícios programáveis) ou a data de início do benefício (DIB);
  • O que fazer nos casos em que o Prisma não está considerando competências após 04/2003 que não possuem data de pagamento;
  • Como fica a contagem do tempo de pedágio , tendo em vista contribuições em atraso a partir de 01/07/2020;
  • Cômputo para carência na forma do art. 155 da IN n. 77/2015 (qualidade de segurado decorrente de atividade em outra categoria).

Segundo o Comunicado, para efeito de cálculo de pedágio para a aposentadoria, no caso das contribuições recolhidas em atraso a partir de 01/07/2020, o Prisma considera apenas quanto tempo o segurado possuía até 13/11/2019 (data da publicação da Reforma da Previdência).

Isso significa que as contribuições realizadas em atraso a partir de 01/07/2020 serão consideradas no tempo total do segurado, mas não para o tempo que ele possuía em 13/11/2019. 🤯

O mesmo raciocínio se aplica na avaliação do direito adquirido : o recolhimento em atraso de competências anteriores a novembro de 2019, realizado a partir de 01/07/2020, não dará direito à aposentadoria nas regras anteriores à EC n.103/2019.

Nem preciso dizer como este comunicado esvazia, de forma totalmente ilegal , os direitos do segurado quanto ao recolhimento de contribuições em atraso, né?

E a situação fica ainda pior, pois o INSS publicou até mesmo uma Portaria contendo a mesma previsão… 🙄

[Obs.: Como o foco deste artigo é somente o direito adquirido, não entrarei em detalhes quanto aos outros temas contidos no Comunicado. Porém, caso você queira conferir o texto na íntegra, é só clicar nesse link aqui: Comunicado 002/2021 – DIVBEN3.]

3.2) Portaria 1.382/2021

No dia 19/11/2021, talvez em uma tentativa de conferir maior grau de “legalidade” ao Comunicado n. 002/2021, o INSS publicou a Portaria n. 1.382/2021.

Dentre os temas abordados, a Portaria regulamentou os efeitos das contribuições previdenciárias recolhidas em atraso , especialmente no que se refere ao contribuinte individual, o segurado especial e os segurados facultativos do INSS.

No caso, a Portaria adota o mesmo entendimento do Comunicado n. 002/2021, no sentido de que o recolhimento em atraso de competências anteriores a novembro de 2019, realizado a partir de 01/07/2020, não dará direito à aposentadoria nas regras anteriores à Reforma da Previdência.

👉🏻 Olha só o que diz o art. 9º, §§ 5º e 6º da Portaria n. 1.382/2021:

“§ 5º Para fins de análise a direito adquirido , somente poderão ser considerados os recolhimentos em atraso efetuados até a data da verificação do direito . Os recolhimentos com data de pagamento posterior à data da análise do direito não integrarão o cálculo de tempo de contribuição nessa regra , mesmo que se refiram a competências anteriores.

§ 6º Para fins de verificação do tempo de contribuição apurado até 13 de novembro de 2019 , utilizado para verificação das regras de transição da aposentadoria por tempo de contribuição com pedágio de 50% (cinquenta por cento) e de 100% (cem por cento), previstos nos arts. 17 e 20 da Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, os recolhimentos realizados em atraso em data posterior não serão considerados .” (g.n.)

Pois é, o INSS adotou um entendimento totalmente equivocado e que fere dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. 😖

Inclusive, vale a pena dizer que, ao indenizar contribuições em atraso, o segurado apenas está regularizando sua relação tributária e procurando solucionar o débito com a Previdência.

Agindo assim, a pessoa está apenas exercendo um dever (de regularizar sua situação tributária) e, por isso, teria o direito de computar tal período no seu tempo de contribuição.

4) Ilegalidade e Inconstitucionalidade do entendimento do INSS

Em primeiro lugar, vamos voltar lá no Direito Constitucional, para relembrar o que é uma Portaria e qual é o lugar que ela ocupa dentro da hierarquia das normas (calma, prometo que não vai doer 😂).

Em resumo, as Portarias são atos administrativos que servem apenas para disciplinar a execução de uma lei (em sentido amplo) ou da própria Constituição Federal.

Podemos dizer que a Portaria dá uma orientação prática para o exercício de um direito previsto no texto legal. Porém, as Portarias não podem criar ou extinguir direitos.

Além disso, as Portarias são consideradas normas infralegais , ocupando o último lugar na hierarquia das normas (lá embaixo da pirâmide).

⚖️ Por isso, elas precisam respeitar todos os outros textos legais que estão acima delas (Constituição, Emendas, Leis, Decretos, Resoluções etc.).

O problema é que a Portaria n. 1.382/2021 desrespeita todos esses limites que comentei anteriormente!

Primeiramente, trata-se de uma Portaria ilegal , porque traz disposições que não possuem previsão legal em qualquer outra norma superior.

Desse modo, o INSS está literalmente legislando e extinguindo direitos através de uma Portaria, extrapolando o poder regulamentar do executivo. 😱

Por outro lado, a norma também é inconstitucional , na medida que fere o próprio direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI, CF), assim como os princípios do equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, caput, CF) e da vedação do tributo com efeito de confisco (art. 150, inciso IV, CF).

🧐 Sem mencionar a questão tributária , né?

Afinal, não podemos nos esquecer de que, ao limitar os efeitos jurídicos da contribuição previdenciária recolhida em atraso, a Portaria viola o art. 97, inciso V, do CTN, que prevê que apenas lei pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos.

Aliás, conforme mencionei anteriormente, o recolhimento de contribuições em atraso deveria até mesmo ser estimulado pela Previdência, visto que esse ponto costuma ser um dos principais alicerces da atuação judicial da autarquia previdenciária.

4.1) O que fazer?

Como o INSS não considera tais contribuições recolhidas em atraso, infelizmente a questão não poderá ser resolvida administrativamente. 😕

Nesse caso, a única alternativa será recorrer à via judicial!

Como expliquei, a lei não veda a utilização como tempo de contribuição dos períodos recolhidos em atraso ou indenizados.

Pelo contrário, as normas previdenciárias (Regulamento da Previdência, EC n. 103/2019, Decreto n. 10.410/2020 e Portaria n. 450/2020) expressamente dizem que tais períodos serão considerados como tempo de contribuição.

🤗 Portanto, é possível requerer judicialmente a aplicação da lei vigente na data em que foram implementados os requisitos para a aposentadoria, mesmo que o recolhimento das contribuições em atraso ou a indenização ocorra depois da Reforma da Previdência.

Eu ainda não encontrei decisões a respeito desta matéria. Se você souber de alguma, compartilhe conosco nos comentários!

5) Conclusão

No artigo de hoje, conversamos um pouco sobre a questão do pagamento das contribuições em atraso e o direito adquirido antes da Reforma da Previdência.

Claramente, o posicionamento adotado pelo INSS no Comunicado DIVBEN n. 002/2021 e na Portaria n. 1.382/2021 é ilegal e inconstitucional , motivo pelo qual vale a pena discutir a questão judicialmente!

E já que estamos no final do artigo, que tal darmos uma revisada? 😃

👉🏻 Para facilitar, fiz uma listinha com tudo o que você aprendeu hoje:

  • Qual é o posicionamento do INSS sobre as contribuições em atraso e o direito adquirido ;
  • O que diz o Comunicado DIVBEN n. 002/2021 e a Portaria n. 1.382/2021 ;
  • Porquê o entendimento do INSS é ilegal e inconstitucional ;
  • Como é possível resolver a questão pela via judicial.

E não esqueça de baixar o guia “5 passos para estudar e atuar no Direito Previdenciário“.

Seguindo estes 5 passos na ordem, garanto que você vai deslanchar! Clique aqui e faça download do guia gratuitamente!

6) Fontes

Comunicado DIVBEN n. 002/2021

Constituição Federal

Contribuição em atraso conta para direito adquirido antes da Reforma?

Decreto n. 3.048/1999

Decreto n. 10.410/2020

Direito adquirido em Direito Previdenciário: Entenda de uma vez por todas!

Direito ao Melhor Benefício: se você não conhece, não advogue em Direito Previdenciário

EC n. 103/2019

IN n. 77/2015

INSS interpreta decreto sobre previdência em comunicado

Lei n. 8.212/1991

[NOTA TÉCNICA IEPREV PORTARIA INSS 1382/2021 – RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO](https://en.calameo.com/books/005747503dfd519acca60)

O INSS não está realizando o cômputo das contribuições pagas em atraso

Período de Carência do INSS: Guia Definitivo

Portaria Ministério da Economia/Instituto Nacional do Seguro Social/Presidência n. 450, de 3 de abril de 2020

Portaria PRES/INSS n. 1.382, de 19 de novembro de 2021

Portaria INSS 1.382/21: limitações ao recolhimento de contribuições previdenciárias em atraso

Portaria nº 1.382/2021 e os efeitos das contribuições pagas em atraso nos benefícios do INSS

Por que o sistema de benefícios não está computando algumas contribuições recolhidas em atraso?

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Alessandra Strazzi

Alessandra Strazzi

Advogada por profissão, Previdenciarista por vocação e Blogueira por paixão.

OAB/SP 321.795

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